(Português)

 

Apresentamos aqui um inspirado texto sobre a Casa no Cerrado que nos foi gentilmente enviado pelo professor Francisco Lauande Jr., editor da revista Pináculo:

“Foi uma grata surpresa descobrir este projeto da Vazio Arquitetura: A Casa Cerrado. É um exemplo que aponta para algumas das qualidades que todo projeto de Arquitetura deve oferecer. É evidente a atenção ao genius loci, ou a Força do Lugar. A obra remete a uma lição registrada no trabalho da Missão Cruls que escolheu o território para a construção da nova capital do Brasil, que hoje é Brasília: “É preciso manter a natureza intocada, apresentá-la como a possibilidade de converter-se numa extensão da cultura”. E como não lembrar de João Guimarães Rosa e suas palavras na obra Grandes Sertões: Veredas, que tem como pano de fundo a vida agreste dessa porção do sertão, em Minas Gerais: “Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera”.

“A casa foi construída na Serra da Moeda, em Minas Gerais. Em elevada posição do relevo, ergue-se um volume horizontal, à maneira clássica – como um templo grego erigido em ponto mais alto cuja horizontalidade confortavelmente se assenta no olhar de quem o observa de longe.

“Como pano de fundo, a natureza agreste sertaneja: rústica e áspera. O termo paisagem – parte da Força do Lugar – pode ter inúmeras definições. A paisagem é o espaço experimentado de diversos modos, por meio de sentimentos e emoções pessoais, seja pela contemplação de uma beleza cênica, do planejamento da ocupação territorial, das transformações da natureza segundo padrões sociais, ou até mesmo acerca do entendimento da biodiversidade do meio ambiente que serve também como cenário de eventos históricos.

“O respeito ao local onde se insere, começa na mimetização da rudeza do concreto aparente moldado com imperfeições na superfície impondo simplicidade – Não confundir simples com simplório. O concreto é, com efeito, a representação da pedra como elemento primordial da construção e por isso, fala da busca pela essência. O concreto é empregado no exterior no interior de maneira coerente, reforçando o a essencialidade como discurso.

“Veredas são incorporadas à arquitetura, onde a partir de percursos sem obstáculos ou controle físico, escala-se – por escadas – o volume até o topo no qual está a piscina como ápice de um caminho lírico. Além de servir como área lazer é uma maneira de paisagismo composto pela lâmina de água e o horizonte descortinado – mais lirismo. É como se a construção negasse a narrativa de começo, meio e fim. Aqui, cabe novamente recorrer à obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, que em outro trecho diz: “O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia”.

“A planta-baixa evolui de maneira orgânica a partir de eixos. A parte da cobertura que abriga a piscina parece apontar uma direção e avança em solução wrightiana, como na Casa da Cascata ou a Falling Water, ícone da Arquitetura Orgânica.

“O lirismo continua na relação dos espaços com a paisagem, sobretudo os do primeiro pavimento. Além das generosas aberturas, a área da sala se estende a um espaço que serve como interface com exterior à maneira de um alpendre. A cobertura por meio do dinamismo das formas angulosas promove a variação do pé-direito, que aumenta no sentido da paisagem a frente e assim, potencializando a relação da Arquitetura com a paisagem.

“A casa é também um espaço para contemplar a natureza e de comunhão com a imensidão sertaneja. Ao definir o sertão, Guimarães Rosa assim escreveu: “Os gerais correm em volta. Esses gerais são em tamanho (…) o sertão está em toda parte (…) O sertão não tem janelas nem portas”.

“A casa Cerrado tem como prefácio ou como exórdio o lugar onde se insere em matéria e espírito. Está demonstrado, portanto, o quanto a paisagem pode ser a origem de conceitos a partir de seus conteúdos formal e cultural. Formas podem ser mimetizadas e interpretadas graças à capacidade de abstração – conceitos formais gerados a partir do espírito do lugar.  Paulo Mendes da Rocha tem razão: “A Arquitetura vem da literatura ou da própria vida”. E como diz o dístico formulado por alguém: A Arquitetura deve ser erudita ou popular. O resto é apenas negócio.”

Foto: Gabriel Castro

 

Francisco Lauande Jr é Arquiteto pela FAU UnB e Designer. Fundou o Canal de Arquitetura Documenta, que produz documentários, cursos e a Revista Pináculo, dedicada exclusivamente aos estudantes de Arquitetura. Para ser assinante e receber as publicações, basta enviar uma mensagem para documentaedu@gmail.com.