Pontes e viadutos  são estruturas que conectam. Seu desenho deve obedecer ao fluxo e à passagem de veículos, e por isso poucos são os relatos como os do anti-herói Robert Maitland: a experiência destas estruturas como algo além de um movimento, como local de permanência, como espaço aconchegante, como um lar.

Mas “viadutos como área de estar” poderia ser o subtítulo do ensaio Skies of Concrete (2015) da fotógrafa austríaca Gisela Erlacher. Ao contrário da selva urbana e agreste de The Concrete Island (JG Balard, 1971), os tetos de concreto de Gisela são baixios de viadutos surpreendentemente plásticos, otimistas e domésticos. São espaços que quebram as convenções de uso, muitas vezes (mas nem sempre) apropriados por pessoas que não têm onde morar nos assentamentos formais ou informais da cidade. A princípio são não-lugares: pontos anônimos aparentemente abandonados que oferecem pouco em termos de habitabilidade, que transmitem insegurança justamente por não terem uma função claramente designada.

Seria o que o antropólogo francês Marc Augé chama de non-lieux: espaços transitórios que experimentamos quando em viagem e dos quais nos lembramos apenas em termos genéricos.  Mas na verdade os tetos deste ensaio não são non-lieux. As fotos apontam para um fenômeno bem distinto: o da crescente competição por um espaço urbano cada vez mais escasso e precioso seja ele na China, na Áustria ou no Reino Unido, contrapondo essa carência com uma ocupação muitas vezes projetada e admiravelmente agenciada. Algumas imagens são tão incongruentes que mais parecem colagens surrealistas ou, menos, visualizações digitais hiperreais.

Casas de telhados cerâmicos estão espremidas entre pilares colossais sem nenhuma relação de escala, tipologia ou história, enquanto crianças brincam indiferentes àquela óbvia sobreposição de atividades incompatíveis. Sob um complexo de tabuleiros de concreto que dançam numa coreografia de semicírculos desencontrados, vemos uma piscina infantil com seus felizes brinquedos cor-de-rosa. Na mesma foto, carros enfileirados circulam num tabuleiro a meia altura em alta velocidade, seus motoristas absortos e desinteressados pelo que acontece no parquinho infantil e seus espaços verdejantes.

Um espaço hipostilo, todo ele feito de fustes camuflados por trepadeiras e encimados por capitéis de concreto, cobre um parque forrado por um paisagismo de eras sobre um terreno de topografia quase orgânica. Provavelmente estamos sobre uma via expressa, mas a fotógrafa só nos mostra o tempo desacelerado e contemplativo sob os viadutos. Sob um outro complexo de três viadutos interpolados, vemos um estábulo improvisado e seus muitos cavalos com a carinha pra fora da porta, loucos pra sair de seus cubículos e treinar na pista de areia coberto pelos céus de concreto.

É um urbanismo de infraestruturas em camadas que poderia provocar um curto-circuito entre elas, mas cuja energia não prejudica em nada os usuários dos vários níveis – alheios que eles estão quanto às outras funções daquele complexo. Não se trata de uma arquitetura vertical onde os andares são programaticamente independentes: é um empilhamento de funções em escala urbana, sendo o potencial atrito entre os programas mitigado pela escala colossal dos viadutos.